Fonte: Office of the UN High Commissioner for Human Rights (OHCHR) |

Guiné-Bissau: “A situação da justiça é terrível, mas há sinais alentadores”, disse experta da ONU

GENEVA, Suíça, 19 de outubro 2015/APO (African Press Organization)/ --

A Relatora Especial das Nações Unidas sobre a independência dos juízes e advogados, Mónica Pinto, exortou o Governo de Guiné-Bissau a apoiar e dignificar o trabalho dos juízes e procuradores, e reconhecer o papel central que desempenham os advogados no sistema de justiça, no exercício da democracia e no fortalecimento do Estado de direito.
 

“As autoridades devem priorizar medidas urgentes para garantir um maior acesso à justiça e para restaurar a confiança da população nas instituições”, indicou a Sra. Pinto ao concluir sua primeira visita oficial* à Guiné-Bissau, onde observou graves disfunções no sistema de justiça e carências materiais que “criam um terreno fértil para a perda da independência, a corrupção e a impunidade”.

“Vários interlocutores me apontaram que a situação da justiça é triste, terrível- de acordo com a situação do país”, disse a experta em direitos humanos. No entanto, ela ressaltou que a população considerou positiva a recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça que declarou inconstitucional a nomeação de um novo primeiro-ministro em agosto deste ano.

“Muitos em Guiné-Bissau, e na comunidade internacional, viram essa decisão como uma afirmação de independência do Tribunal. A credibilidade da justiça está renascendo com essa decisão”, disse a Sra. Pinto, citando uma das pessoas que ela entrevistou durante sua visita ao país.
 
A Relatora Especial observou múltiplas e graves deficiências: “A justiça não chega às pessoas, se concentra na capital do país e em poucas cidades do interior. No resto do país, o acesso à justiça- um requisito necessário para poder exercer seus direitos- é ilusório: não há juízes, procuradores nem advogados”.  

Além disso, a Experta indicou que o acesso à justiça é caro, e muitos não podem pagar os custos da justiça que lhes são exigidos. Os prazos dos trâmites são longos; e a morosidade da justiça é tanta que está a um passo de causar negação de justiça. “As instituições judiciárias carecem de elementos básicos para funcionar- refletindo uma falta crônica de recursos no Estado”, disse.

A Experta também enfatizou a importância de garantir a segurança dos juízes, procuradores e advogados, bem como a proteção das vítimas e das testemunhas.

A Relatora Especial indicou que a ausência de tribunais na maior parte do país e os altos custos mencionados levam as pessoas a recorrerem à “justiça tradicional” que faz a mediação entre as partes para a solução de conflitos, mas sem necessariamente considerar o direito positivo, nacional e internacional. Neste sentido, é importante que a justiça formal seja a instituição responsável de aplicar as normas, em particular quando é desafiada por atos justificados pelas tradições, como o casamento precoce, a circuncisão feminina, ou mesmo a violência doméstica.

“Os Centros de Acesso à Justiça- que permitem consultas jurídicas, mediação, conciliação, orientação e assistência jurídica para processos judiciais- são uma iniciativa importante e exitosa que deve ser preservada, reforçada e estendida para outras partes do país e deve receber financiamento adequado por parte do Estado”, disse a Sra. Pinto.

A Relatora Especial também recebeu informação sobre a falta de acesso aos meios de provas científicas por parte dos procuradores e da polícia judicial. O país carece de instituições que possam prestar serviços como teste de DNA, perícia balística, e escuta telefônica. Esta situação resulta em altas taxas de impunidade e não permite a perseguição penal do crime organizado, como tráfico de pessoas, armas, drogas, lavagem de dinheiro e outros.  

A experta manifestou sua preocupação quanto à jurisdição militar, que se estende quase como um foro pessoal; não tem um órgão de revisão na justiça ordinária, e a maioria de seus integrantes não têm o título de advogado.

“É necessário que as instituições do sistema de justiça e o governo façam um importante exercício de introspecção para estabelecer um quadro da situação e identificar prioridades”, indicou.

Neste contexto, a Relatora Especial sublinhou que “é crucial para restaurar a confiança da população na independência da justiça, que os atores do sistema possam atuar eficazmente”.
 
A Relatora Especial formulará recomendações a esse respeito, em seu relatório que apresentará em junho de 2016 ao Conselho de Direitos Humanos.

(*) Confira toda a declaração de fim de missão da Relatora Especial:  
http://www.ohchr.org/SP/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=16616&LangID=S

 

Distribuído pelo Grupo APO para Office of the UN High Commissioner for Human Rights (OHCHR).